terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Uma bala pela liberdade

Senti meu celular vibrando no bolso, por volta de provavelmente três horas. Como eu detesto estar cansada o suficiente para chegar em casa e apagar em qualquer lugar que encostar... Fiquei um tempo pensando sobre as horas e quem me ligaria, sem nem olhar, apenas peguei o telefone. “Olá”, disse. Sempre preferi dizer o contrário de alô. “Hey, garota. É meio difícil explicar agora, mas eu preciso de você um pouco, não tenho mais alguém para chamar.”

Peguei as chaves do carro para poder fazer isso logo, voltar novamente, tomar um bom banho e um café e dormir, dormir. É meio de semana, as ruas estavam vazias porque provavelmente é um horário em que pessoas deveriam estar dormindo, assim como eu estava, para ter mais um dia com o trabalho que terão para o resto das vidas, nas horas seguintes. Ainda estava com meu maço um pouco amassado no bolso, peguei um dos cigarros e acendi. Qualquer que seja a merda que meu quase marido fez para precisar de ajuda, eu tinha que relaxar. Sentei no capô do carro meio amassado e dei a primeira tragada. A noite estava linda, uma noite daquelas que você pode se deitar no chão da porta de casa ou do quintal e ficar o tempo todo vendo e se fascinando, procurando alguma coisa de diferente entre as estrelas. A fumaça estava me embaçando um pouco a visão, aliás, meus olhos não estavam tão bons por ter acabado de acordar e me levantar, mas se nada disso me atrapalhou, vi algo passando no céu.

Nas ruas, o caminho inteiro continuou deserto, de vez em quando eu via uns casais na porta de suas casas se despedindo ou curtindo um pouco, fora isso, só havia as luzes dos postes e o meu farol iluminando minha rota. Era uma cidade pequena, o que eu esperava? Virei umas esquinas e freei.

“John, estou na porta.” Desligo. Meu cigarro está no fim. Ah, Johnny. J-o-h-n-n-y. Estou pensando se posso formar alguma outra palavra com seu nome, mas não me veio nada em mente, enquanto só escuto a tranca da porta sendo aberta. “Entre!” Bem, certo.

“Então, o que é?”

Ele colocou o braço para trás da jaqueta e tirou uma arma. Não uma simples pistola, uma daquelas armas pra brincar na roleta russa. Dei um passo para trás. Ok, não é por ser praticamente meu homem que não vou hesitar um pouquinho quando ele me mostrar do nada um cano desses. “Relaxa, tá tudo bem. É para você, segura.” Não sei se ele se sentiria relaxado se tivesse no meu lugar, mas de qualquer maneira, eu segurei firme naquela arma, com medo de qualquer hora atirar no meu próprio pé. “Caralho, caralho, dá pra me dizer logo o que tá havendo?!” Outra coisa que odeio é parecer nervosa. Mas não é sempre que você fica sem informações e com uma arma em mãos. Ele continuou sem dar uma resposta que fizesse algum sentido, só me chamou para ir até a cozinha.

“Céus...” Foi a coisa mais concreta que saiu da minha boca. O pior é que eu não sabia se era porque tinha um cara amarrado e desmaiado em uma cadeira na cozinha, ou se era porque eu de fato conhecia o cara.

“Ele sabe, Meg, ele viu. Aquele dia que eu apaguei o policial. Porra, ele me pegou com o dinheiro, se não fosse ele era meu corpo ocupando espaço na prisão. Eu achei o dinheiro. Se continuarmos entregando as coisas pro governo vamos continuar fodidos, fodidos, fodidos... Eu não sou um criminoso. É a questão de ‘ele ou eu’. Você sabe, não é? Você sabe...”

Ainda estou em um pouco estranha sobre isso. Ele me explicou as coisas, ia até onde quer que tenha escondido o dinheiro, voltava, pegava o cara e eu acompanhava até qualquer merda de lugar que desse pra pensar nisso tudo, e não no meio da cidade. Enquanto isso tudo acontecia, eu vigiava nossa provável testemunha, e tentava manter sua boca fechada com ajuda da arma. “Ok. Vá.”

Passou meia hora, uma. Eu me sentei em frente a mesa com a arma ainda em mãos, e descansei o braço, os olhos, tudo, tentando esquecer aquele relógio, que continuava tiquetaqueando em minha mente. John nunca soube como eu também precisava dormir algumas vezes, e não bancar tudo o que ele faz. “Ah, Meg, você é como uma mãe para o cara por quem se apaixonou”, repetia e repetia, “ou uma borracha, ou um corretivo. É tudo a mesma merda.”

“Megan...”

Sua voz rouca disse o meu nome. Gelei por completo, queria muito que não ser reconhecida, mas, como sempre, não foi a minha sorte.

“Você não pode simplesmente calar a boca?” Essa é a minha hora de ser durona. “Eu tenho um trabalho pra fazer, vá se foder se não for deixar.”

“Não mudou nada, hein?” Parecia que era difícil conversar para ele. Isso até me chegou a receber um pouquinho de piedade, vê-lo amarrado ali. Por que ele não foi amordaçado, ou coberto no rosto? Ah. É só a minha sorte. “Continua a minha garota.”

“Tudo o que você falar não vai fazer diferença alguma, você é o indivíduo preso e eu sou seu carrasco com a arma.” Isso, isso. Agora pegue o canhão e mire na própria cabeça. “Além do mais, John tá chegando aí. E então vamos ver as coisas para você.”

Jurei que se em dez minutos não chegasse, sairia por aquela porta, e com o carro, deixaria a cidade, mesmo que só com a roupa de meu corpo, isqueiro, umas notas. Peguei outro cigarro e acendi, curtindo cada pouco de fumaça que soltava. Fui trocando umas informações imbecis com o homem, coisas que eram extremamente desnecessárias para nós, em especial naquela hora, mas que mesmo assim, servem para descontrair. Passaram minutos e mais minutos, até que ouvi o carro chegando, e fui até a porta da cozinha para checar. E estava certa, meu tempo de ser a guardiã da casa acabou.

Johnny foi entrando devagar com a mala, eu sentia cada passo. Agora era a minha hora.

Pude ouvir Lou a tempo sussurrar “você é a dona da arma”. Preparei-a.

“Meg, eu...” Um tiro. Uma expressão assustada, uma bolsa caindo no chão, um desapontamento. E isso: um sorriso. De brinde, um futuro.

Soltei Lou e percebi que eu estava chorando. “Você sabe, sempre foi você. Mas matar John...” A terceira coisa que eu direi que odeio, chorar na frente dos outros. Aliás, tentar falar com os outros e soluçar enquanto isso. Bem, recebi um beijo como resposta. Tudo bem.

Fomos pro carro, e o céu continuava lindo. Parei uns segundos para observá-lo com meu parceiro, ele me segurou mais forte. Ele sabia como era se sentir assim. Nós nunca voltaríamos para pegar o corpo e o resto do dinheiro, seja o que for, John ainda era o cara que matou o policial. Entramos no meu carro, ele dirigindo e eu já me sentia bem. Agora era o momento para começar a nossa nova vida, longe daquele campo, longe daquela cidade; um lugar onde poderíamos trabalhar para descansar com o barulho dos carros na rua. Agora era o momento para estar viva. Agora era quando nós deixaríamos tudo.

“Eu te amo, Lou.”

“Sempre te amei, Meg.”

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